Juanito sentia-se o pequeno rei
dos céus, uma plantação de algodão doce que lhe apetecia cheirar, não fosse o
vidro duplo que lhe deformava o nariz e replicava o arco iris nas lentes
grossas que piscavam com os raios de sol que furavam os pedaços de nuvem.
- E se o salto para o lugar
seguro for pequeno e com elevada probabilidade de sucesso mas o precipício
entre lugares seguros for mortal, saltas ou não saltas?
Juanito era um vidente que se
interrogava sempre que sonhava acordado, quando se olhava a ele próprio de
dentro da cabeça de uma serpente, esgueirando-se do seu corpo, de olhos
brilhantes e língua recortada.
- E se a terra tremer, saltas ou
não saltas?
Juanito era um homem que adorava perguntas
mas não tinha quem lhe respondesse.
Por isso continuava a perguntar acordado.
- E se fores pássaro, voas ou não
voas?
Do cimo da cabeça da serpente,
Juanito não se conseguia fixar com nitidez em si próprio, porque a serpente
serpenteia e é incapaz de fixar o olhar num pedaço de sonho.
Juanito era um
homem viajado porque não tinha memórias.
- E se me deres um
euro, quantos ovos posso comprar?
Era a última
pergunta que se lembrava que alguém lhe tinha feito. Talvez o miúdo de olho
vivo e passada leve, lá longe no musseque
Juanito colecionava
lugares, mas esvaziava as memórias com perguntas e sempre que fazia uma
pergunta imaginava-se um animal diferente, pairando sobre o seu corpo imóvel,
um corpo que exalava memórias em cada viagem, em cada hemisfério que
atravessava.
Juanito incomodou-se
com a última pergunta; algum mecanismo do subconsciente tinha falhado para ele
se lembrar de forma tão nítida do miúdo do musseque
E ficou inquieto. E
deixou de se ver a si próprio, caiu do corpo da serpente no seu próprio corpo.
E procurou resistir:
- E quantos passos
são daqui à América, advinhas ou não advinhas?
- E se saltares de
paraquedas, cais em terra ou no mar?
Juanito
já tivera memórias, até que elas passaram a fazer questão de lhe lembrar o que
perdia por não estar em qualquer outro lugar.
Sendo
um processo circular, a memória nunca se encontra com o espaço presente.
Desencanto
e perda, uma definição para raízes.
Só quando perdeu a memória, Juanito passou
a partir descansado.
E Juanito tinha medo que as memórias o traíssem
e o impedissem de continuar a viajar
Porque ele, Juanito era um viajante!
Quando as perguntas se esgotaram, Juanito
acordou alagado em suor. Não havia Sol nem mais perguntas, o céu estava escuro,
não se via mar da janela e ele viajava num imenso avião com as luzes apagadas.
Olhou para cima e não viu a serpente.
Olhou para trás e não viu ninguém.
À sua frente piscavam milhares de luzes,
centenas de botões, manómetros e moches, que reforçavam o contraste entre a
cabine e o céu estrelado de infinito.
Cruise Control era a mensagem do painel
Pegou nos comandos que baloiçavam à sua
frente e sorriu, porque a única coisa de que se lembrava era do “saltas ou não
saltas?”
- Claro, salto sempre!
Juanito era o comandante do novíssimo
A380 da companhia das arábias.
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