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terça-feira, 3 de março de 2015

Fotonovela "O Patrão"



- Pai, porque é que todos te chamam Patrão?
- O pai é um homem importante! – E o filho não percebeu nada.
Importante – repetia o puto, enquanto se mirava de cima do seu metro e vinte para os ténis todos rotos
Uma pedra que se tinha intrometido entre ele, a bola e uma nuvem de pó amarelado por onde se esfumou uma grande oportunidade de golo, frustração porque as miúdas sorriam apenas para os heróis.
Isso sim. Era importante 


No topo das muralhas do castelo, este homem de meia-idade abria os braços para o horizonte da planície amarela, campos a perder de vista, ondas quase simétricas.
Cá de cima, o patrão quase parecia um homem alto, apesar de uma fita métrica bem esticada ser incapaz de lhe dar mais do que um metro e sessenta de altura.
A calvície e o seu terror pelas balanças, conferia-lhe uma forma demasiado redonda  para os seus trinta e oito anos de idade, um fato coçado de tantas cerimónias oficiais, que parecia querer rebentar-se a cada movimento mais energético do Patrão.
E falava de coisas sérias: revolução, povo… 
E ia crescendo.
E o puto, doze anos, mais ou menos, temeu o pior. 


Mas logo o patrão se levantou, apressou-se, vestiu novamente o ar de presidente, e lançou-se rua abaixo, acenando a toda a gente e gritando ao puto “ Conto-te ao jantar”.
- Calceteiro incompetente – pensou, quando quase tropeçava numa pedra da velha calçada que se havia desprendido da rua!
O puto tinha mesmo razão
O pai patrão não podia ter sido um desportista.


...imaginava-o agora a descer à vila, naquele passo miudinho e ligeiramente desengonçado, suando com a sua falta de ginásio, com uma ambição de quem não descansa enquanto o burgo não virar cidade sempre atrás de mais um compromisso autárquico, aquela pausa nas ombreiras da porta principal da Câmara, cumprimentando todos os que apareciam por lá, reunião de vereadores, grandes projetos para a vila, obras sociais e, importante, as piscinas olímpicas municipais, reunião com os projetistas e engenheiros e os munícipes, todos eles queriam falar com o presidente, afinal ele era o Patrão.


Eram quase onze da noite mas os olhos do filho do António quase saiam das órbitas de tão despertos por esta descoberta.
Pai salteador e pirata. Não havia melhor visão para um pai. Só não entendeu essa história da revolução dos cravos.
Devia ser uma outra aventura qualquer!
Mas, naquela noite, o patrão teve pesadelos com o desmoronamento do seu mundo ideológico, “ Aquele careca lixou tudo”!
Mas, com o tempo e o cansaço adormeceu de vez, embalado pela água tépida da piscina municipal, acabada hoje, novinha em folha.

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