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quinta-feira, 31 de julho de 2014

A última valsa em Dubrovnik



Uma visita ao palácio do regente,
Encontro com as pinturas renascentistas dos notáveis da república, homens de imponentes perucas e currículos impressionantes, reconhecidos diplomatas e intelectuais da renascença europeia,
Mais uma subida até à porta sul,
Um diálogo solitário com um artista esloveno que tem procurado esquecer tudo o que aprendeu na academia de artes, e cinquenta anos depois já conseguiu.
Olhando das janelas do palácio renascentista, o contraste da arte surrealista que se confunde com o verde do mar e das ilhas.


Deambulando na noite quente ouvimos, através das portas da catedral, um som lânguido de um qualquer artista croata romântico, com tonalidades italianas e sonoridades gregas.
As raízes confusas sentem-se por todo o lado

Incluindo no mau-génio do povo!


Lokrum




Uma ilha perto de nós, a apenas dez minutos de um barco que se afasta do porto velho aos solavancos, com muralhas a desaparecer no verde da ilha e do mar.
Em Lokrum, vamos à praia no mar alto, bebemos cocktails com os pés na água da lagoa salgada, imaginamos os frades beneditinos nas ruinas do mosteiro – terá sido uma manifestação de agradecimento aos cidadãos da república, por safá-los de provações maiores -
No cimo do monte, os restos do forte tinham a marca de Napoleão e os objetivos eram diferentes.
A vista sobre a cidade era gloriosa e os franceses lamberam-se de gula.

Pouco tempo depois engoliram a República!



terça-feira, 29 de julho de 2014

A vida efémera dos conquistadores



O general francês do exército de Napoleão, instala-se no seu cadeirão, em cima do torreão sul da muralha que circunda Trogir e reúne a sargentada para uma partida de cartas.
Não há piratas que cheguem perto e, enquanto não chegar o inverno na frente russa, a vida de um soldado no Adriático é azul.
Tão absorto no jogo, não se apercebeu qua a paisagem urbana, polvilhada de telhados vermelhos e de torres de igreja, era predominantemente de origem veneziana, alguns alçados medievais e nada, ou quase nada, das civilizações da antiguidade.
O general fazia a guerra, não era arquitecto ou artista mas, se entendesse alguma coisa de estilos de construção, ficaria certamente irritado com esta manifestação de ostentação de um povo que não se destacava pelos seus dotes militares.
Ou então, se percebesse que não chegava conquistar os lugares para lhe modificar a paisagem.
E o general tinha mau génio, tanto quanto a soberba vista que podia dali desfrutar.
O azar dos franceses é que, para serem donos de impérios exóticos, não podem destruir o que outros construíram, dado que o património do lugar é o que dá valor às conquistas.
E quando os italianos voltaram, aproveitando-se da desgraça dos outros, sentiram-se em casa.
Um Azar dos Croatas, que não se conseguiram conter, e estoiraram com um leão de pedra na Loggia Veneziana, na praça central de Trogir

1930 DC.



segunda-feira, 28 de julho de 2014

O palácio do último Imperador



Split, a morada de Dioclesano, um dos últimos Imperadores da Roma Ocidental.
Filho de escravos, nascido em Salona, na Croácia Adriática, chegou a Roma através de grandes feitos militares
Visionário, foi o primeiro que se reformou em vida e planeou-a, construindo por antecipação o palácio em Split.
Sentado no seu palácio, viu de longe o Império a desmoronar-se, implodindo pelo seu interior e suicidou-se seis anos depois da sua reforma voluntária.
Depois da sua morte, da queda do Império do Ocidente e da invasão de Salona pelos eslavos bárbaros, os sobreviventes refugiaram-se nas muralhas de Split.
Quatro séculos depois, o seu palácio transformou-se em cidade
Hoje vive entre ruínas, o vibrante porto de mar e uma movida muito mediterrânica

E Salona, seis quilómetros pela encosta acima é um descampado sem glória que relembra Pompeia, um vulcão chamado eslavos.


domingo, 27 de julho de 2014

Mostar - A cidade mártir



Bombardeada pelos Croatas em 93, Mostar é a prova de que não há inocentes na idiota guerra das Balcãs
Para além do pedaço de cidade reconstruída, pedra a pedra, pelas consciências pesadas das pombas europeias e do folclore do turismo multicultural, nada mais bate certo neste puzzle civilizacional.
Apesar de ter sido, e ter vivido, como fronteira dos impérios, durante séculos e, segundo rezam as crónicas, habituaram-se a viver em harmonia, igrejas e mesquitas, hoje, vinte anos depois da guerra as comunidades vivem vidas separadas, uma paz podre que se esconde por detrás do grande bazar que é a zona antiga da cidade, cheio de mercadoria sem origem definida, mas definitivamente oriental e com contornos turcos, a prova de que a cidade velha de Mostar não tem vida própria, nem comum.
À custa das contas públicas, pouco mas dispendioso Estado que, em Mostar, duplicou o seu aparelho para servir de forma distinta a comunidade muçulmana bósnia e católica croata.
Não se respira por isso naqueles becos de pedras bicudas e gastas, aquele clima de harmonia que a reconstrução da ponte pretendeu recriar.
As margens do rio estão pejadas de musculados mergulhadores profissionais que transformaram uma festa anual, num espectáculo que corre a todas as horas, haja no chapéu que passa de mão em mão, pelo menos sete euros, oferecidos por turistas que gostam de emoções fortes, protagonizadas por exóticos locais.
A margem norte do rio, enche-se de homens musculados de tronco nu que despejam cervejas na barraca de madeira que se debruça sobre a corrente que empurra o orgulho para o mar, para lá da fronteira com a vizinha Croácia.
Quando lhes perguntam – e um jovem jornalista americano perguntou, numa reportagem que não tem dois anos – qual a razão da guerra, eles não sabem, não respondem ou não querem saber.
O jovem muçulmano (seria muçulmano? Seriam os vendedores das lojas do bazar mesmo bósnios?) que controlava as entradas na (minúscula) mesquita principal incentivou a criança a subir ao minarete sem pagar e depois, estendendo a mão, colocou o dedo na boca e afirmou “não digam nada lá fora, menos quatro markas no preço, vale certamente duas markas de gorjeta”.
Achei pois que não valia a pena perguntar-lhe qual a razão da paz, pois ele talvez fosse incapaz de saber.
Mas nas vielas da margem norte, mais longe do bazar, rodeado por pequenos riachos, pontes de pedra e hotéis simples e familiares, senti que este local poderia (poderá?) ter sido (vir a ser) especial.
Se os balcânicos conseguirem superar esta geração sem se meterem em trabalhos.
Oiço um estrondo nas minhas costas e recuo assustado. Vinha do lado da ponte, mas afinal era apenas mais um musculado que se tinha lançado à água.

Sete euros depois!


sábado, 26 de julho de 2014

Na rota de Montenegro - Kotor


Mas em Montenegro, vive e respira Kotor.
Uma preciosidade com mais de mil anos, origem bizantina e cercada de uma muralha que demorou novecentos anos a ser construída.
Entende-se a demora, olhando as montanhas a pique, e não se estranha pois porque é que, ao contrário da vizinha Ragusa, tenham deixado entrar Venezianos, Austro-Húngaros e Franceses, ao longo de nove séculos de História.
Mas Maja, que gosta sempre de recordar o que de bom os invasores trouxeram à cidade – o seu espírito positivo reflecte juventude e proporciona-lhe mais histórias para contar – relembra, espetando o seu indicador direito no ar, em direcção à torre direita da catedral, que ficaram à porta os dois piores: otomanos e piratas.
E nós não perguntámos porquê.
Entre os inúmeros avanços e recuos de todas as civilizações com aspirações guerreiras e territoriais, foi-nos afirmando as suas preferências.
Em trezentos anos de ocupação, os Venezianos substituíram todos os símbolos ortodoxos das igrejas de Kotor, por artefactos cristãos enquanto Napoleão lhes deixou o relógio da Igreja e um palácio junto à porta Sul, hoje (ou ontem, já não me lembro) transformado em casino.
Maja, ao contrário do que consta ter sido a reacção da maior parte dos sérvios e croatas, foi seduzida pelos ideais da Revolução Francesa, e pela possibilidade de ser tratada como cidadã.
Não estranha pois que tenha demonstrado uma quase imperceptível irritação eslava, quando confrontada com a religião predominante respondeu que “somos católicos, porque fomos tão invadidos que nos fomos esquecendo das nossas origens ortodoxas”
Mas surpreendente foi mesmo, quando estávamos a apreciar o estilo do padre ortodoxo, à porta da igreja mais pequena da cidade – são casados, avisou Maja, porque só os nomeamos padres, depois de sabermos que são bons pais de família e a O. esmoreceu de entusiamo – a revelação do Herói de Maja, a nossa jovem amiga de Montenegro.
Apontando para um qualquer lugar, que eu rapidamente esqueci, afirmou com uma comoção espontânea e um súbito brilho no olhar:

- Aqui instalou-se o Marechal Tito, o querido pai da nossa nação! 


Na rota de Montenegro - Budva



Montenegro tem de tudo para ser uma espécie de país. Abençoada pela grande mãe sérvia, agora amputada dos seus braços de mar – é que para ser país nas Balcãs, é imprescindível ter a sérvia como, no mínimo, desconfiança – seiscentos mil habitantes, uma dimensão que cabe na mão direita de um sérvio deitado ao Sol nas praias rochosas de Budva.
Maja, a nossa amiga de Montenegro sorriu, dividida entre o desdenho pela ignorância do Homem Safari, e o comprometimento por terem emprestado aos sérvios umas milícias para atacarem Dubrovnik:
- Não, nós não fomos bombardeados. Estávamos do outro lado (a referência à Croácia era evidente)
A miúda também era, na altura, demasiado nova, por isso não chegou a corar.
Vermelho de vergonha ficou o Safari, um elefante de focinho de suíno, calções beije de explorador, óculos de aros grossos tão pretos que lhe borravam a cara de medo sempre que lhe levavam o passaporte para uma das inúmeras fronteiras que povoam a península.
Indefinido o sotaque, o pavor descontrolado revelava-nos a mais do que provável nacionalidade – americana.
Vinte por cento do país percorrido numa manhã.
Permanece, para meu mistério pessoal, porque que raio se tornaram independentes, sem guerra e quinze anos depois de ter acabado a Jugoslávia.
Órfãos da mãe pátria, adoptaram o mesmo presidente, desde a independência, mau grado os rumores que circulam nas poucas notícias virtuais sobre o país, de que o senhor já se envolveu amiúde em algumas nuvens de corrupção e participação em ilícitos de diversa ordem.
Em Budva, e ao longo da faixa de terra à beira-mar plantada, demonstram a entusiástica adesão ao capitalismo do dinheiro sem cor e sem cheiro e a ambição reflectida nas placas em cirílico, penduradas nas varandas das centenas de edifícios e condomínios em construção, de vender a costa Adriática em postas, aos russos da nova ordem.
Mónaco Oriental, sussurram os iates de luxo que se acotovelam nas insuficientes plataformas de atracagem e as meninas vistosas, apreciadoras de rublo forte, que pululam à porta das novas discotecas ao ar livre.

Enfim, um mimo!


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Korcula – A outra costa de Veneza



Para alcançar a ilha, é preciso ultrapassar as muralhas de Ston, percorrer a península de Paljesac, uma quase ilha que se esgana ao chegar à costa continental e se espraia à medida que se aproxima do mar e das inúmeras ilhas do Adriático.
A quase ilha é apenas um paraíso para as ostras e para o (sobrevalorizado) vinho croata.
Quinze minutos de mar mais tarde, uma réplica em miniatura convincente do mesmo Estado Veneziano, o mesmo Adriático, as mesmas origens mas uma língua diferente, porque reinventada pela pacífica invasão dos Eslavos
Segundo consta, convidados pelos Bizantinos para os proteger das influências ocidentais e sobretudo orientais.
Na ilha de Korcula, estamos rodeados de Adriático e chove nas cornijas das igrejas, debaixo das varandas do Palácio Episcopal, arcadas venezianas por todos os becos e uma disputa inconsequente sobre o berço do Marco Polo
Respiram felicidade de Ilhéus, porque dizem ter provas documentais que esta celebridade não nasceu em Veneza mas aqui e porque os otomanos nunca cá conseguiram entrar.

Por isso não há mesquitas no Mar Adriático
Mas existe a casa onde nasceu Marco Polo


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Os limites da equação de Ragusa




Se eu fosse ela, habitante de Dubrovnik e guia de pretensão, eu começaria por nos contar a História de Ragusa
“ Meus amigos de um grupo pequeno, eu hoje vou-lhes contar a História de Ragusa. Quinhentos anos de uma quase independência muito esforçada, uma democracia que lembrava os Governantes no Palácio de Rector, impresso na pedra, esqueçam as preocupações pessoais, preocupem-se com os assuntos públicos, uma cidade cercada de inúmeros inimigos geracionais, sempre geridos por uma diplomacia de alianças e muralhas inexpugnáveis, uma armada que chegou a proliferar marinheiros onde a diplomacia e o comércio eram a razão para a sobrevivência”
Bom, mas isso sou eu, ela tinha um bico que se confundia com um nariz de pardal, mas em grande e faltava-lhe anos e eloquência para dizer numa frase, uma única só, o nome de todos os invasores e povoadores que por aqui andaram, antes de Napoleão. Sim porque Napoleão é importante.
Gregos, Romanos, Bárbaros, Húngaros, Venezianos, Mongóis, Otomanos, Austro-Húngaros e sinto que me esqueci de alguns, convidados ou infiltrados.
Só Ragusa, a Dubrovnik Libertas sempre resistiu até que, num ousado golpe de diplomacia, Napoleão anexou esta colónia que, de tão antiga, esquecera a sua origem composta de Eslavos convidados pelos Romanos de Constantinopla e os Latinos residentes, provavelmente a prova de que o Império já tinha sido Ocidental.
Todos os peixes morrem pela boca!
A noite quente da véspera testemunhava a coerência de um governo que soube atrair os talentos nascidos nos povos vizinhos e manter fora das fronteiras os indesejáveis – mesmo que por vezes aliados – conquistadores vindos de longe.
Duraram cinco vezes mais que os incas e metade do tempo do país mais antigo da Europa: Nós!
Na manhã seguinte, junto ao istmo que quase corta a península de Peljesac pelo umbigo, descobrimos uma maravilha desta república em Ston, a ponta  da maior muralha da Europa, reconstruída recentemente pedra a pedra pelo orgulho Croata, porque apenas a guerra moderna – demasiado moderna – a destruiu, e a destruição veio do céu.
Mas o que persiste são cinco quilómetros de muralha, que une as pontas do istmo, e protegeu durante anos o sal de Ragusa, das invasões de todos os piratas que a ameaçavam, uma moeda de troca e uma absoluta necessidade de sobrevivência.
Nesta grande península de fronteiras que são os Balcãs, Ston, como Dubrovnik, são extraordinários momentos de História

Muralhas e fronteiras como meios de preservação.


domingo, 20 de julho de 2014

Frankfurt Pride




Ainda não é meio-dia e o calor já nos assa as entranhas
Nas redondezas da Hauptbanhof não vislumbramos coerência de transeuntes
Procurava um contraponto para o orgulho da finança alemã e encontrei logo nas bermas e nas fachadas dos restaurantes de nacionalidade indefinida, os primeiros desoladores seres sem naturalidade precisa, arrastados para o torpor pelas sopas de cavalo cansado
(a globalização tem destas coisas, embrulha o prato de salsichas em celofane de origem chinesa)
Outros assavam pedaços de carne na pedra, libertando uns fumos de cheiro a churrasco, em cima das mesas, ao longo da rua que nos aproximava do centro da cidade.
E àquela hora, que ainda nem meio-dia era, o torpor era de miragem, tal era a lentidão de todos os nós que nos arrastávamos pela praça Willy Brandt, reflectidos nas fachadas de vidro do Banco Central Europeu, em dia de descanso, não havia fatos elegantes a atravessar as ruas.
O orgulho de Frankfurt estava neutralizado pelo Sábado, pelo Verão e pelo calor.
Tudo sem adjectivos, porque até os meus pés pareciam miragem, tudo em câmara lenta.
Até que o centro da cidade nos submergiu com uma LGBT Pride Parade
Primeiro tudo muito sério, harmonia entre público e manifestantes…e beijos lançados dos carros alegóricos, trânsito cortado, patrocinadores respeitáveis, cordão policial e carros de limpeza a terminar a festa, exactamente no momento em que ela acabou



O público, ou partilhava convicções – eram de fato muitos – ou comia salsichas nas esplanadas da cidade, absoluta tolerância que não difere aliás muito da indiferença
Tudo parecia correr bem, de acordo com os sinais do tempo quando o folclore se instalou na praça e um monte de rainhas dragão confundiram as mensagens de direito ao amor polivalente com um balde entornado  de mau gosto e animais histéricos em esotérica compulsiva.
Para além de um mini coelho morto que para as manter intactas lançou o pânico nas hostes, abandonado num beco sem que o culpado fosse julgado

As minhas memórias de F. são fortes e, por isso mesmo, basta-me uma imagem da estação ferroviária para as preservar!