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sábado, 8 de novembro de 2014

Berlin, Jardim Zoológico, 29 anos

Anoitecia nos subúrbios da cidade, seja ela qual for afinal, porque tinham alertado N. que havia duas cidades, algo que ele entendia, mas tinha dificuldade em verbalizar, em palmilhar em cima de um mapa.
Muros e mais muros outra vez, depois da estepe e, para lá das silhuetas do arame farpado, despontava um clarão de luz branca, que parecia nascido do chão, cada vez mais forte com o aproximar da noite e sempre que atravessava mais uma fronteira, mais uma troca de polícia, mais uma linha truncada, um trocar de olhares, e cães que farejam tudo.
Uma luz que absorvia a escuridão circundante e um destino que deixava N. intrigado: nunca tinha entrado numa cidade pelo Jardim Zoológico.
Mas em Berlim, uma das duas cidades, um novo país depois de atravessar outros, com a mesma língua, mas outro hemisfério, Zoological Gartens é a estação ferroviária do centro de uma das cidades.
Depois do silêncio e da solidão, uma babilónia de gente atordoou N.
Era gente na plataforma que quase trepava pela cobertura de ferro fundido e vidraças de arte nova, e ninguém parecia estar aqui de passagem, gente de latitudes tão contraditórias, embrulhos e bagagens que se abraçavam à multidão que se movia sempre muito apressada, mas como formigas num quintal, afinal de contas porque é têm tanta pressa se o quintal é pequeno e os muros são altos?
E logo entendeu que não havia regras conhecidas neste epicentro de sensibilidades exacerbadas.
Refugiados que pela latitude e cor da pele era pressuposto serem hóspedes da outra cidade, atapetavam os subterrâneos desta cidade, como uma sala de espera de quem, vindo de tão longe, se equivocou na fronteira.
E quando ainda se procurava libertar destes equívocos, N. foi projetado para a rua, que o recebeu com um frenesim que não tinha nação, tal era a confusão de sons que a língua resultante, já não era alemão.
Afinal tinham construído três cidades e N. perdia de vez a perceção de tempo e espaço.
No chuveiro do Hotel Flórida, um longo corredor de chão amarelo brilhante , de portas de castanho fechadas e uma fila de chuveiros comuns, com torneiras de um metal envelhecido que lembravam que já tinha havido uma só cidade, N. lavava-se cuidadosamente deste banho de multidão e procurava acertar o passo com esta multidão tão furiosa.
Da janela do quarto, lençóis encardidos, cortina de renda amarelada e uma cadeira encarnada sem braços, espraiava-se um mar de luzes e néon.

Na Ku’ Dam, fosse dia ou fosse noite, havia três quilómetros e meio de mundo que se atropelava, sabe-se lá para onde eles iam, num quintal tão pequeno, com muros tão altos.


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