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domingo, 8 de dezembro de 2013

A paisagem nórdica do Museu do Prado - MNAA






A perspetiva dos pintores nórdicos das terras baixas além Alpes, da barreira montanhosa que os separava das cores quentes das terras do Sul, é fantasmagórica.
Os picos gelados sem encostas suaves, uma sensação abrupta de azuis gélidos num horizonte que eles nunca tinham visto, destoam do detalhe minucioso dos primeiros planos predominantes de verde e castanho e de cenas do quotidiano da Flandres do século XVII.
Segundo a Rita, licenciada em História de Arte havia, nos primeiros sete núcleos, uma necessidade panfletária de narrar e evocar as cenas de um quotidiano feliz, como se de uma época de paz se tratasse, não coincidissem as datas das pinturas com o período da guerra dos oitenta anos.
A desconstrução sistemática das realidades não é pois um fenómeno exclusivo da imprensa escrita e reveste-se de cores vivas, gente feliz e referências mais ou menos explícitas à boa moral religiosa de uma predominância católica.
As montanhas (imaginável fronteira sul que os pintores desconheciam), a vida no campo, a paisagem de gelo e neve, o bosque como cenário, Rubens e a paisagem e no jardim do palácio.
Capítulos de uma sociedade de classes bem vincadas, mas em harmonia no trabalho e no lazer, burguesia feliz em piqueniques no campo, rodeados de trabalhadores que tratam a terra e de animais no pasto e, um pouco mais nos contornos do horizonte, crianças que dançam em roda em manifestação espontânea de alegria no trabalho.


Os bosques escuros e verdejantes que representavam a verdadeira fronteira dos povos da planície são retratados como a verdade assustadora para onde eram remetidos os animais e os renegados, mas surpreendem pelos diversos efeitos de luz e por esporádicas referências bíblicas ou (mais bizarro ainda) mitológicas, como se os pintores utilizassem metáforas e humor subtil para relevar dissonâncias que a autoridade jamais entenderia.
Como os nobres vestidos de vestes simples a trabalhar a terra ou as Ninfas no bosque, ou a camponesa que cai no gelo e, no meio de uma multidão feliz e bem comportada, se expõem de rabo para o ar, o cavaleiro que atravessa o lago por cima das águas, o cão que alça a perna no canto inferior esquerdo de um quadro repleto de representantes da igreja…
Depois há o Rubens só para amigos que pintava florestas com luz de entardecer a furar as árvores, provocador porque subverte as cenas de caça onde o caçador perde sempre para um anjo que lhe rouba a presa.
As cenas de guerras navais surgem apenas nos núcleos finais com evocações a guerras longínquas, os turcos como sempre retratados como infiéis e as bandeiras holandesas substituídas por cruzes espanholas, certamente por censores autorizados sem sensibilidade artística.
Obrigado Rita pelas lições de luz, de profundidade e de foco como expressões de arte e pelo belo exercício de regras de composição clássicas expostas em ambiente intimista numa exposição clássica com auréola pop.
 Ainda que haja pinturas feitas ao metro encomendadas por monarcas espanhóis, patéticas perceções à distância das terras exóticas (imaginem a capacidade inventiva dos marinheiros derramada em pintura sobre uma tela) e experiências atabalhoadas (no núcleo nove) quando os nórdicos atravessaram os Alpes e se depararam com a luz quente e desconhecida do Sul da Europa.

Imperdível hora e meia!



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