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quinta-feira, 29 de março de 2012

Euskadi essencial


É Sábado, e estão 26º na manhã do vale estreito e profundo, rodeado de montes verdes e uma ria que serpenteia para o mar, o feroz mar cantábrico, golfo da Biscaia que despeja tempestades entre dois raios de Sol ibérico, único máximo múltiplo comum de identidade assumida por este povo.
Mas Bilbao, escondida do mar e do ar por montes que a protegem de olhares demasiado superficiais é uma cidade de frases fáceis e de atmosfera quente.
À primeira vista, nada a parece diferenciar de uma qualquer outra cidade espanhola: uma população inteira que adora viver na rua, com toda a família, animais domésticos – perros de feitios diversos e tamanhos maioritariamente de bolso, velhotes que se aperaltam mesmo de cadeira de rodas, almoços e jantares em horas que não acabam, “Cenar? claro!”, uma gastronomia quase obscena de sabor e preço e um permanente ruído de fundo de um povo que nunca se cansa de (e tem sempre múltiplos motivos para) conversar.
Depois despertam as diferenças: levantamos os olhos da calle e a metros do vale, do centro, estão os campos verdes que ameaçam invadir a cidade, o vale e a ria – uma chapa da Suíça -; nos semáforos nenhum peão atravessa com sinal vermelho – disciplina e civilização que espantaria um nórdico mesclado – e a mobilidade das encostas é de uma tecnologia germânica – elevadores, escadas rolantes e funiculares que acompanham as ingremes calçadas ou os suaves declives da malha urbana que tece o vale.
A alma Euskadi funde-se entre estas duas dimensões: uma língua que é um código que se cultiva nas salas do museu das Belas Artes, uma professora que explica os quadros de pintura flamenga aos putos da escola, e as janelas pejadas de bandeiras Atlhetic – um clube só de bascos que é muito mais do que um clube –

Basco é o código!



A caminho do Casco Viejo das sete ruas, da Catedral e da Praça Nova, o moderníssimo mercado da ribeira confunde os sentidos, peixe fresco e escadas rolantes, mas não desencoraja a nossa descoberta da cidade antiga e viva, de tanto comércio e tapas e realça a complementaridade em que vivem as diversas urbes desta cidade.
A ponte de Calatrava, qual Puerto Madero, o metro de Gerry, e as torres de vidro que espelham a ponte na outra margem, desafiam o antigo sem o ofuscar, nesta quarta dimensão (humana) da cidade.
Em Bilbao vive-se uma permanente metamorfose urbana, da poluente e industrial revolução para o design inspirado na indústria – este jogo de palavras faz toda a diferença!

E Bilbao é mesmo uma cidade de frases fáceis.

O Atlhetic não ganhou este fim-de-semana e a cidade esmoreceu, mas não despiu as camisolas do clube, pela noite dentro!

segunda-feira, 26 de março de 2012

Travessia


É um passatempo ver para além das silhuetas e dos rostos destes seres errantes que atravessam o rio para a península, deserto, margem sul, da cosmopolita cidade para o areal infinito que, depois de lá chegarmos, se revela insolitamente vazio, qual parque de diversões antes da abertura das portas.

A multidão ausente só se agrupa no cais e logo desaparece no branco do areal, no branco dos blocos de apartamentos e agora, versão estilizada, por detrás do enorme espelho (hotel, casino, design e conceitos) que reflete a marina, o canal, o céu, o rio e o mar, tudo em azul indistinto quase impossível de fotografar com contraste sem truques de pós produção.

Para onde vão? Porque vão?

Troia é o fim ao contrário porque devia ser o fim da península mas é o princípio…e o fim, apenas como uma ponte inexistente com a outra margem.

A Península existe pela ligação umbilical à outra margem, ao continente, à cidade, mas sem ponte ficou sempre a meio do rio, costas viradas para a sede do concelho (Grândola, vila morena), para a província que a adotou (Além Tejo e Sado).

Mas respirado o ar de Primavera inundada de Sol, mas com rasgos de ríspidos ventos do Norte – afinal existem ventos do Norte nos prelúdios do Sul – entendemos que Troia não se liga por ponte, de propósito, revelando um ADN ilhéu, entre o rio, o mar e a areia.

Tem tudo para ser uma ilha magnética!

As areias movediças parecem sugar a pressa, os rostos fechados de gente que parece vir trabalhar – para onde? – e outros que afinal procuram atravessar o rio em busca das terras do Sul – mas afinal quem é quem?

Não há verdadeiramente autóctones na ilha peninsular!

Azul


Atravessar o Sado num dia de Sol, numa manhã de semana sem pressas e de multidões ausentes é uma experiência azul, salpicada de rostos que se destacam da paisagem.

Este encadeamento de azul é um prelúdio das terras do Sul, uma luz que apenas o Sul tem!

E os tempos, os muitos anos não mudaram este lugar, esta mesma sensação dominante. Os barcos mudaram, a paisagem urbana das duas margens mudou e evoluiu (ou se construiu, equívoco após equívoco), mas o essencial permanece intacto desde que me lembro, com um bando de colegiais a estrear a época balnear no último dia de aulas, quando miúdos olhávamos o barco pneumático, símbolo da modernidade, que voava alucinante por cima das águas do Sado, e nós nos verdes jardins da margem, abençoados pela Santa que nos observava na redoma de vidro, par a par com a simplória arquitetura do Estado Novo.

Família, Pátria e Autoridade

A absolutamente idêntica sensação, décadas de criança, adolescente e adulto.

Na adolescência experimental de campismo quase selvagem, devorados por nuvens de mosquitos que enevoavam o azul em fins de tarde épicos e sem surpresas nas dunas que eram a fronteira das fronteiras, um pasto de esfomeados e microscópicos animais, hoje ilha entre condomínios privados.

Como adulto nostálgico, refugiava-me sempre que podia, mesmo de fato e gravata, pelos caminhos de Santiago do Cacém, mais próximo mas mais longo, numa pressa profissional que se desvanecia nas lombas da estrada, nas raízes dos pinheiros que se infiltravam no alcatrão da estrada

A serenidade peninsular – a verdadeira razão da mesma sensação, década após década – aumenta o brilho das cores, e assopra suavemente a neblina ondulante da manhã tardia.

E sempre que olho para a fronteira do mar, lembro-me…e a sensação sempre igual.

Vertigem azul!

Skipper, o meu golfinho imaginário do rio Sado que tantas vezes se riu para mim, sem me gozar, apesar de eu não saber saltar como ele, eu debruçado sobre a amurada do ferry, ele perto e longe, sempre mais rápido que o meu olhar, sim o Skipper hoje não apareceu.

Também o Skipper não se deixa domesticar, tal como a península sem pontes para o continente!


quarta-feira, 14 de março de 2012

Angra, exótica decadência


Angra ontem de manhã luminosa dava-se ares de cidade do Império chamado mundo, com salpicos de Paraty ou Ceilão, vestígios e pequenos espelhos dos exóticos destinos, origens das preciosas e longínquas mercadorias.
Angra la preciosa, um porto de passagem que recebia pequenas gotas de seiva cosmopolita e de globalização (a primeira globalização portuguesa) que pingavam como gratificações num porto de abrigo imerso na cidade moderna e esculpida pelo Renascimento
Uma lógica de vivência "não somos aventureiros mas partilhamos as suas fronteiras"



Vista do alto da memória, a encosta e o vale compuseram-se em igrejas e conventos, convenientes repositórios de relíquias e tesouros descobertos no além-mar, pequena recompensa pela alma confortada, na ida ou no regresso, na derradeira fronteira entre o mar conhecido e o mundo!
A densa e exótica vegetação, a pedra escura e o mar azul profundo reforça a sensação de feitiço, uma conexão quase sobrenatural com a vontade de descoberta e uma necessidade de viver a centralidade, de absorver os cheiros, as cores, os sabores e os costumes dos confins do universo em permanente descoberta.
Passado, glorioso passado!


Mas na descida aos vales da Angra moderna, o feitiço de Vénus e Júpiter (também na Terceira o céu alinha Vénus e Júpiter, ali e em todo o lado numa combinação rara), tende a desvanecer-se no difícil balanço entre uma ruralidade predominante e uma juventude inquieta que reinventa a modernidade - e os seus clichés - numa reacção insular e portanto potencialmente exacerbada, um protesto latente porque cercado de água e (apenas) fisicamente (equi) distante dos modelos civilizacionais ainda na moda
Nesta manhã solarenga de Verão surpreendente (até nos Açores há Sol e seca nos tempos que correm) os figurantes da baixa da cidade parecem não se aperceber que eles, as ilhas e o Atlântico, unem hoje as pontas da civilização Ocidental
E é esta basicamente a nova utilidade funcional do Atlântico e dos seus habitantes!
Presente, entorpecido presente!
Bem-vindos ao novo entreposto entre a periferia económica e o centro cultural do mundo.
Seis séculos depois.


domingo, 4 de março de 2012

Chuva na cidade


Hoje finalmente choveu na cidade. As luzes distantes da margem sul não param de lacrimejar ao fim da tarde porque a ministra dançou a dança da chuva e as estradas revelam-se espelhos nocturnos que despistam as bruxas más e atraem as belas adormecidas do asfalto.
Chuva é notícia porque os telhados de zinco ainda não tinham zumbido a nossa vida este ano!
No fim de semana em que no Estado gelado e cossaco, nasceu um novo czar, a chuva é a única verdadeira surpresa que merece referência no burgo lusitano.
Amanhã as nuvens têm um significado fértil, muito positivo num país de natalidade incapaz, em que os fogos e a seca nos incomodam neste Inverno quase insensato.
Amanhã as nuvens não são presságio de um futuro negro, e revelam uma meteorologia que quase havámos esquecido.
Choveu na cidade e o trânsito entupiu as canalizações, mas ninguém reclamou porque a ministra finalmente acertou.
E o czar nasceu, tão previsivel como a chuva ácida nas estepes da alta Sibéria.
A nossa morna chuva é reflexo dos nossos pobres e brandos costumes, mas é nossa e plural, sem mistérios e uma benção dos nossos céus predominantemente estrelados!  
Nuvens amigas, despejem água e alarguem a superficie frontal que nos protega dos ventos de leste porque as monções do Oriente, essas já se instalaram.
(O mundo tem esta tendência cómica de inverter permanentemente os papéis dos seus protagonistas)
Tal como a meteorogia!
Hoje finalmente choveu na cidade e os pelintras agradecem!


Cap Vert - Jonas qui aura plus 25 ans en l'an 2030


É uma visão de conto encantado, um futuro na terra prometida, equidistante dos conflitos e dos extremismos, fiel à sua localização atlântica, central, entreposto e praias de uma sedução sem fim.

http://atlantico-weekly.com/cape-verde-in-2030/

Pretende ser proféctico. Será? 
Não sei se é verdade, se é pelo menos exequível mas é um plano estratégico plausível, baseado no fascínio mundial pelo exótico de sabores mornos (e mornas) e sem as loucas histerias tribais do continente.
É um bom presságio para esta recém descoberta e improvável wonderland emersa dos vulcões e dos desertos, promessa verdejante que vem do mar, das aparentes fraquezas vistas de um prisma positivo (e estratégico) e do além-mar!
Lembremo-nos apenas que nem todo o desenvolvimento se constroi de cimento!
Os miudos ( que em 2030 terão provavelmente mais de 25 anos) merecem!
Mesmo que seja apenas uma profecia!



Lembrei-me das profecias da nossa infância: muito mais politizadas, socialmente complexas, incluíam uma vasta legião de perdedores e destruiam em cada cena a possibilidade de encontrarmos alguma terra prometida.

Quem não se lembra do icone de Alain Tanner em 1976 quando esperávamos que Jonas tivesse 25 anos no ano 2000?



  
Em 2012, nós, sul latinos europeus, que tínhamos (um pouco) mais de 25 anos no ano 2000, olhamos para esta nova visão sedutora e sensorial (numa outra e mais madura perspectiva) de reforma que provavelmente não vamos ter...ou não...como um lugar ao Sol na linha dos trópicos!

Perdemos mesmo a conciência ideológica!