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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Cabo Horn – Os monstros do fim do mundo


Francis Drake teria adorado, 500 anos depois, acordar junto ao temido cabo, dentro de uns lençóis imaculados ao som da música tradicional chilena!
Teria?
O cabo mais ao Sul do Mundo (Antárctida não é terra, sequer!) acordou-nos de um verdadeiro sono de mar, um amanhecer pesado e chuvoso, umas vagas mais crispadas que os civilizados lagos glaciares, uma expressão afirmativa de mar salgado, ventoso e inóspito, …
O Via Australis não é um contingente expedicionário com o destino fim do mundo, nem um veleiro de piratas, mas havia um toque de legião estrangeira neste mundo flutuante de tecnologia e conforto.
Dezasseis nacionalidades, velhos lobos de terra firme, alguns mesmo velhos, e um contingente de herdeiros puros de Magalhães, lembrados em público pelos marinheiros chilenos (e um arrepio de espinha e orgulho), e porque será que ninguém lembrou Drake e os seus herdeiros naturais?
Talvez a sua tendência para bombardear Valparaíso…
O advento das nações tornou relevante os motivos, atravessar mares pejados de monstros (imaginação ou miragem?) com precisão de mestre navegador, não apaga temperamentos belicistas (ou piratas) de um inglês que antipatizava que as alianças latinas. Não na memória dos povos!
Imensidão, solidão, aventura no estado líquido, tempestade e montes desérticos, desertos de vegetação rasteira, tão rasteira que só não afugenta os pássaros – esses podem voar entre a terra e o mar e podem, mesmo que não queiram, fugir – é a imagem do desembarque madrugador e anfíbio na ilha de Hornos.


Não tem problema, é água do Cabo Horn – o semi-rígido inundado pela traseira e o primeiro teste de impermeabilidade algo comprometedor, a lembrar que uma expedição se faz de alguma capacidade de suportar os elementos…
Drake teria apreciado os homens-rã em fato de mergulho a embalar os legionários com coletes garridos e expressões de fascínio juvenil.
Terá ele desembarcado no Horn?
A subida penosa até ao planalto desolador, reserva-nos um frio cortante e uma saudação chuvosa – a chuva foi despejada sobre a ilha como um souvenir do mítico referencial do atrevimento e loucura dos navegadores aventureiros –


Albatroz, monumento, os habitantes quase exclusivos das escarpas incendiadas de verde e rocha.
A bandeira, o farol, o monumento e uma base expedicionária do exército chileno.
A nação, o elemento humano e estranho a este paisagem que, na sua génese, é de ninguém, afirma-se por um pedaço de pano tricolor ao vento…
A tempestade obrigá-los-á a relembrar que o espírito de posse – identificado como nacionalismo – é efémero, na inexorável lógica da natureza!
Tantos panos por uma Nação!
Os albatrozes são anarquistas e anseiam a revolução mundial!
A Patagónia também se assume multinacional: Cordilheira Darwin, terceira massa de gelo do globo, fiordes, oceanos, cordilheiras e canais, oceanos, canal de Beagle, cabo Hoorn…
- Bem-vindo ao cabo Horn – os homens rã, os militares expedicionários, também eles se renderam à legião multinacional de exploradores, num largo sorriso de quem se sente a atravessar uma última fronteira: o Grande Sul.
Vento, panorâmicas desoladas mas infinitas e deslumbrantes; mar imenso, escarpas que desafiam as ondas encapeladas do Mar de Drake.
O êxtase do planalto no meio do mar!
800 naufrágios ao largo deste cabo.
Um farol isolado do mundo!
17 nós de vento, 8º C de temperatura
Não havia fogo, porque não se via fumo e os demónios tinham-se esfumado na imaginação dos navegadores do século XVII.
Somente vento, chuva e imaginação do que será o Sul gelado!
Mas o Via Australis zarpou da ilha de Hornos e o Sol furou o vento e a chuva, hasteou a bandeira de piratas num afoito desafio ao cabo (autoridade física?), Drake, Fritz Roy e todos os navegadores do absurdo, furou as ondas na direcção do estreito de Drake, ultrapassou o cabo num momento raro de bons ventos e apitou três vezes, sozinho no oceano, sobrevoado por albatrozes e outros pássaros agoirentos, para êxtase global de todos os velhos lobos de terra firme, que abanavam agora ao sabor do mar crispado, provocados pelo vento, iluminados pelo Sol e resistentes ao enjoo, porque a emoção e o momento histórico enchia-nos o estômago e lavava-nos a alma.



10;18 da manhã de 31 de Janeiro do ano da graça de 2010.
Dobrámos o Cabo Horn em grande estilo expedicionário.
O monstro rendeu-se à vontade indomável da tecnologia e das máquinas.

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